Ah, o nosso amado Código de Processo Civil, aquele que, por capricho ou desinformação, continua sendo chamado de "Novo Código de Processo Civil" (ou NCPC, para quem gosta de economizar letras), mesmo após quase uma década de sua promulgação.
É engraçado pensar que estamos em 2024 e muitos ainda se permitem esse luxo linguístico!
O que há de "novo" em um texto que foi publicado em março de 2015 e que já está mais do que estabelecido no cenário jurídico?
O tempo de vacatio legis foi de um ano, amplo o suficiente para que, se houvesse uma Olimpiada do Conhecimento das Normas, todos os operadores de direito, juízes e advogados estariam com medalhas de ouro, se não dominando, ao menos conhecendo os detalhes do código em questão.
Assim, é difícil aceitar o argumento de que alguém, especialmente um magistrado, ainda não compreendeu suas disposições.
É como se um navio estivesse afundando e o capitão, em vez de salvar a tripulação, se perdesse em seus próprios mapas, perguntando-se onde estão os portos seguros.
A função dos juízes é, ou deveria ser, pura e simplesmente, aplicar a lei.
Eles são os guardiões do estado de direito, aqueles que devem assegurar que a justiça seja feita, e não se perder em labirintos burocráticos que apenas ouvissem as vozes amplificadas do poder em vez de ouvir as súplicas dos que clamam por socorro.
O artigo 99 do CPC estabelece com clareza que o juiz não pode exigir comprovação da necessidade do pedido de gratuidade da justiça — aquela ajuda fundamental que permite a um cidadão comum buscar seus direitos sem ser sufocado pelas amarras financeiras dos altos custos processuais.
O parágrafo 3° deste artigo ainda garante: "Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural." Com isso, a legislação não apenas estabelece direitos, mas também ordena que a dignidade humana seja respeitada no processo judicial.
Então, o que leva alguns juízes a ignorar o que a lei preconiza?
Por que, em vez de servirem como faróis de justiça, muitos se transformam em rochas que encalham os pequenos barcos dos sonhos e necessidades dos cidadãos?
Essa exigência indevida em muitos casos é mais do que um simples erro de interpretação — é uma transgressão que pode levar à responsabilização criminal, conforme prevê o artigo 33 da Lei n.° 13.869/19.
A pena para tal crime, uma das diversas tipificações de crime de abuso de autoridade, que exige informação ou cumprimento de obrigação sem amparo legal, é alarmante: pode variar de seis meses a dois anos de detenção.
Um preço muito alto para um corpo jurídico que deveria ser sinônimo de justiça e equidade.
Aqui, imaginemos um cenário: uma mãe, que ao lado de sua única filha, conta as moedas no fundo da bolsa enquanto espera a decisão de um juiz que, em seu escritório repleto de processos e pilhas de documentos, decide insistir na exigência de um comprovante de hipossuficiência.
Essa mãe não busca mais que um pouco de dignidade: ela precisa de justiça.
A mãe se debate entre as contas que se acumulam, as necessidades que a rodeiam, e enquanto isso, o juiz, confortavelmente alheio à vida do outro lado da mesa, parece ter esquecido o ser humano que precisa de sua intervenção.
A aplicação da lei não é apenas uma questão de cumprimento técnico, mas um ato de empatia profunda.
Os juízes, ao julgarem, devem se lembrar que cada caso apresenta não números, mas rostos, histórias, esperanças e, sim, dramas humanos.
Quantas vezes um juiz não se tornou uma parede fria, um espectador impassível às lágrimas que se formam de um pedido de justiça?
O cargo que ocupa, muitas vezes cercado de prerrogativas e regalias, pode criar uma névoa que obnubila a visão do que é a realidade externa ao tribunal. E assim, perdidos na burocracia, correm o risco de se tornar sombras de sua própria função.
Em meio a essa dança de formalidades, um factoide triste se desenrola em cada decisão mal equacionada, contribuindo para que a noção de "direito" e "justiça" se desfaçam como fumaça, se tornando duas entidades distintas, quase rivais.
O juiz, que deveria trazer essa balança equilibrada da justiça, muitas vezes aparece como um opositor à própria essência da justiça, deixando a hipossuficiência econômica à mercê de uma exigência que a lei já aboliu.
É doloroso ver, mas é a verdade: enquanto deveriam ser arautos da justiça nos casos que presidem, vistos quase como uma espécie de "Têmis Encarnada" pelas partes envolvidas nesses processos, muitos juízes acabam sendo parte da máquina que desumaniza a Justiça.